Na escola, qual é o seu partido?



Você já ouviu o termo "militante disfarçado de professor"? É um termo que o Miguel Nagib, fundador do Movimento Escola sem Partido, gosta bastante de usar. 
De acordo com esse senhor e seus seguidores, há no espaço escolar perseguição aos estudantes vinda desses militantes disfarçados. Estes perseguem crianças e jovens por razão de suas crenças ou convicções políticas e ideológicas. No programa, que se pretende instalar em toda e qualquer escola pública, existe, por exemplo, um artigo que sugere que existam professoras (ou professores) que usem de técnicas de manipulação psicológica para induzir estudantes a acreditarem no que essas professoras querem. 

Embora aponte certo rigor ao comportamento docente, o programa autoriza a existência de escolas específicas que poderão doutrinar o estudante a partir da autorização contratual dos seus pais. Você sabe de quais escolas estão falando, não é mesmo? 
Eu chutaria escolas confessionais e militares.

A gente bem sabe o que acontecerá com a autorização de doutrinação na escola. Algumas professoras e alguns professores de escolas cristãs e militares, por exemplo, se sentirão livres para propagar a discriminação e o desrespeito, como ocorreu nesta semana numa escola cristã do nordeste.
E o que podemos falar sobre a doutrinação em escolas públicas militarizadas? 
A neutralidade que se pede no programa da escola sem partido tem como finalidade calar quem luta por liberdade e igualdade para todas e todos.  O texto é fruto de uma mente que não pretende obedecer a Declaração Universal dos Direitos Humanos (apesar de fazer parecer que sim, ao afirmarem que estão protegendo as crianças do abuso de autoridade dos professores). 
É um texto que silencia a professora, que deverá apenas ensinar o conteúdo, mas sempre atenta para não parecer parcial.

A professora poderá falar sobre o sistema reprodutor e dizer que a relação sexual só deve ocorrer para a reprodução e que a forma com que a relação sexual ocorre é "papai introduz o pênis na vagina da mamãe".  
Ai da professora que disser que a menina tem uma vulva e explicar todas as partes da genitália feminina. Basta falar da vagina, não é mesmo?  Um buraco onde se introduz o pênis para que o homem plante a sementinha do bebê. 

E como a professora do quarto ano vai ensinar sobre a Guerra de Canudos? Pobreza, perseguição política, esperança sertaneja, matança do povo pobre pelo governo? 
Huummmm!! Acho que é parcial demais, corta isso aí!

Qual é o partido que você toma na escola?


A escola sem partido que tanto querem é uma escola em que não se pode tomar partido do pobre, da mulher, do negro, dos homossexuais - em suma, não se pode tomar partido dos movimentos sociais. 


E o que são os movimentos sociais, tia?

Movimentos sociais são o agrupamento de pessoas organizadas para lutar por causas sociais e políticas - inclusive, muitas dessas causas já estão previstas nos direitos e garantias fundamentais da nossa constituição. 

Oi? Constituição? Direitos? Garantias? E tem isso, tia?

Tem! (Ih! Será que eu posso dar essa aula? Será que tem alguém filmando?)


A escola pública precisa ser feita por pessoas que tomam partido. A escola pública é da comunidade: é do Sr. Manuel que fica na porta da escola vendendo bala, chiclete e pirulito para as crianças na saída; é da Dona Neuza, que é a porteira e deixa a menina que nunca chegou atrasada entrar atrasada aquele dia, pois ela conhece todas as crianças que passam pelo portão; é a escola da professora Rita, que leva uma marmitinha do feijão tropeiro que sobrou da merenda para casa; é a escola do Pedro, que hoje não teve almoço em casa e não vê a hora do recreio chegar para comer alguma coisa. 
A escola é de todo mundo que a habita. A escola não é só lugar de ensinar, é lugar de educar, corrigir hábitos desrespeitosos; e não adianta falar que não pode educar, porque se a professora não der um sermão um dia ou outro, ela chora todo dia. 
Se o "abuso" não vier da educação que se transmite, via sermão ou papo com um estudante (como se propaga no Programa Escola sem Partido), ele se tornará um abuso real, o abuso da palmatória, da criminalização dos estudantes, da militarização da escola. Como tem dito o professor Miguel Arroyo. 
É preciso se tomar partido na escola! Tomar partido da escola pública e das crianças e jovens pobres, que são violentados e vulnerabilizados diariamente. 

"Estamos em um momento no qual se busca a criminalização das infâncias e adolescências populares, bem como dos movimentos sociais de luta por terra, teto, transporte, o que eu chamo de política criminalizante dos pobres. E isso me soa de uma brutalidade assustadora. Portanto, o que ao meu ver legitima a criação das escolas militarizadas é o discurso de que as infâncias são criminosas, mas não todas, só as populares, ou se criminaliza quem está na escolas privadas? Esse é um alerta político muito sério, mas que não acontece de agora".
Miguel Arroyo

Leia a entrevista do professor Miguel Arroyo na íntegra na Carta Capital:

Miguel Arroyo: Escolas militarizadas criminalizam infâncias populares





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